bala perdida: Chamavam-lhe "o Zodíaco"

domingo, maio 27, 2007

Chamavam-lhe "o Zodíaco"



Caro Jone, permite-me discordar, ou talvez não.Cinco anos à espera para pôr as vistas em cima de qualquer coisa em celulóide do mestre Fincher e ele decide atirar-nos com outro filme sobre um assassino armado em espertola. Ninguém estava à espera de um Se7en II (possível título para uma sequela, que concerteza alguém do calibre de um Brett Ratner ou dos meninos do Saw irá realizar algures nos próximos anos, pra fazer render o peixe: Se77en - John Doe Returns From the Land of the Dead and Brings Elvis Along for the Ride) e confirmou-se isso mesmo, aquando do visionamento do Zodiac.

Já o tempo que mediou entre o Clube da Batatada e o Sala de Muito Medo e Algum Pânico tinha custado bastante a passar. Um gajo contava todos os segundos num crescendo de ansiedade desde aquele momento em que saíramos da sala de cinema, ainda com o cérebro feito em puré depois de termos levado com os pós-modernismos do Palahniuk filtrados pelo olhar matreiro do mestre Fincher. Tínhamos aprendido, entre outras coisas, a fazer bombas com uma parte de glicerina e duas de Sunquick; a mastigar raíz de valeriana para curar as insónias; a vender roupa em segunda mão roubada para ganhar uns trocos; a mijar para dentro da sopa, porque sim. O Ed Norton e a Helena Bonham-Carter a fazerem um par de maluquinhos perfeito e, mon dieu!, o Brad Pitt até sabia actuar, por uma vez na vida!

Chegou depois o tal filme, inspirado mais ou menos no Hitchcock, em que o mestre Fincher restringia a sua câmara maluca a uma casita onde a Jodie Foster e uma catraia qualquer tinham que se haver com uns malandros duns gatunos. Era um passo atrás em termos de espalhafato (que tão bem funcionara no Clube e no 7) e o mestre Fincher experimentava as maravilhas da condensação, também com bons resultados. O filme não deixou, porém, de ser uma semi-desilusão. Pensávamos ter descoberto no Fincher um ponta-de-lança do barroco cinematográfico (assim tipo um Gianlorenzo Bernini dos filmes) mas ele afinal quer é atirar-se a tudo. Até é boa ideia alternar filmes "grandiosos" com projectos mais "simples" (o Shyamalan podia aprender qualquer coisa com isto, para não voltar a mandar bosta à parede e depois filmar o resultado, vide A Senhora das Águas), mas um gajo tem que ter sempre um tipo de quem possa dizer:

- É o melhor realizador de sempre, ó pá!

(depois, segue-se uma série de informação sobre o gajo, assim tipo conversa para impressionar garotas com a nossa sabedoria infinita)



Tudo isto para enquadrar os meus sentimentos em relação ao último tomo da filmografia do mestre Fincher. O íncio do filme promete muito, com a primeira de várias recriações dos homicídios do gajo, o Zodíaco. O tom seco, natural e a extrema minúcia na composição visual das sequências dos crimes empresta-lhes uma aura hiper-real (cultivai-vos, ide ler o Baudrillard) que as torna nas cenas mais extraordinárias do filme. Depois, entra em cena o Donnie dos Coelhos, no papel do cartoonista a quem se deve isto tudo (o mito, o livro, o filme), menos a parte dos assassínios. Um gajo olha pra ele e está sempre à espera de ver o coelho gigante aparecer a espreitar-lhe por detrás do ombro, ou a fazer cornos (com as patas) pelas costas ao Bob Downey Junior. Ele não tem culpa de ter sido o protagonista de um dos filmes mais bestiais dos últimos mil anos (o Donnie dos Coelhos), mas ao menos podia mudar de penteado, ou de expressão de alucinado, para o pessoal perceber que ele não faz sempre o mesmo personagem. O já referido Bob D. Jr. repete, pela nonagésima vez, o papel de drogado/bêbado/olheiras/roupa marada, o que apenas prova o que toda a gente já sabia: ele é mesmo assim na vida real, um bandalho. Quem salva o triângulo central do elenco é o grande Mark Ruffalo, um gajo que já entrou em filmes do pior e do melhor e deve ter aprendido através deles que ser actor é deixar-se apagar por detrás do papel que lhe dão. A sua entrada em cena está, aliás, ligada ao momento em que o filme verdadeiramente arranca, a sequência do assassinato no táxi e posterior investigação. Quando o Ruffalo e o seu parceiro (o Dr.Greene do Serviço de Urgência a fazer uma perninha na polícia de San Francisco, porque a vida está má, até prós médicos, e há que pagar as contas do tratamento anti-cálvicie no fim do mês) chegam à cena do crime, o ritmo (moroso) do filme aumenta exponencialmente e parece que nós estamos também ali, naquela esquina de Presidio Heights, à cata do Zodíaco.

Os primeiros dois terços do filme seguem com mais atenção a investigação policial, para no fim o interesse se deslocar para a obessão pessoal do Donnie dos Coelhos. O momento que separa estes dois tempos é a cena do interrogatório ao suspeito principal, outra cena muito conseguida, principalmente pela subtileza com que o actor que interpreta o possível culpado constrói o seu papel, deixando escapar certos pormenores que o parecem comprometer aos olhos da justiça. A partir daí o filme vai perdendo gás, ou saltando datas a um ritmo que nem sempre nos deixa discernir a evoulção dos acontecimentos, ou enveredando por pistas laterais com pouco interesse. O que salva muitas vezes o filme nesta fase final é - além das vezes em que, distanciados da narrativa, reparamos que a fotografia é bestial (cortesia do Harry Savides, de quem se falou há algum tempo, por ocasião de um texto sobre o Elephant), que a reconstituição do ambiente de San Francisco dos anos 60/70 é poderosa, ou que a selecção musical é do best - é um humor seco e certeiro, que aparece quando menos se espera, no meio de toda esta seriedade.



Concluindo, Zodiac é um filme que consegue, durante a sua hora e meia central, agarrar numa série de acontecimentos reais e capturar-lhes a essência, colocando-nos a nós também por momentos no centro da caça ao homem. É um grande filme, mas parece ir perdendo o rumo à medida que o Zodíaco vai desaparecendo do radar e que o Donnie dos Coelhos prova não ter caparro para levar o filme às costas sozinho (já agora, o papel da Chloe Sevigny como mulher dele, também não acrescenta nada ao filme). A sequência que encerra o filme é uma tentativa de acrescentar algum estrondo no final através de uma conclusão que desfaça todas as dúvidas, mas a história do Zodíaco é precisamente o contrário de uma narrativa fechada. Percebe-se o gosto pela elipse, terminar o filme com a mesma personagem que o inicia, mas o mestre Fincher devia guardar os finais estrondosos para filmes que precisem mesmo deles, como o Se7en e o Clube da Batatada.

Tenho dito.

(conte as vezes que foi utilizada a expressão "mestre Fincher", multiplique o resultado por 6, substitua os algarismos pela letra correspondente e voilá, você descobriu o nome do verdadeiro Zodíaco!)

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7 Comments:

Blogger Kowbunga said...

Isso foi de extremo mau gosto Mari!!! O Dr. Greene só apareceu neste filme porque morreu no E.R. Não vamos andar a mandar bocas aos mortos, hein!
Quanto ao Jaques Gyllenhallé (fica sempre bem dizer qualquer coisa com um sotaque afrancesado, tipo Baudrillard :D) já se devia ter percebido que ele ficou com a aparência e a irmã com a actuação (com isto não quero dizer que a Maggie é uma das mulheres mais feias do mundo, mas lá que é, é)!
O Bobby, encontro alguma injustiça na sua avaliação de carácter! Teve problemas com a bebida? teve sim senhora! Teve problemas com a lei? Teve sim senhora! Entrou podre de bebado na casa de desconhecidos e foi adormecer na cama da criança? Que levante a mão a pessoa a quem nunca lhe aconteceu isso! Eu sei que eu não a vou levantar! Mas convém clarificar que para além desses desaires que podem acontecer a qualquer um, ele é realmente bom actor! Neste filme ele volta a comprová-lo, já no kiss kiss bang bang o comprova e em "n" filmes que ele tem feito recentemente! Que venham os tão aclamados renascidos pelo grande mestre Quentin Tarantino dizer o mesmo! Travolta, Carradine, Grier, Madsen! Todos eles limitaram-se a fazer grandes papeis nos filmes do mestre para depois não conseguirem voltar a fazer nada de jeito! "Ah não! O Travolta até fez o "Porcos e Badalhocos" que é bem giro!"
O mesmo não se passa com o nosso querido Bobby, convém deixar isso bem claro e não misturar a vida real de alguém com o seu trabalho de actor! Tou aqui para defender os direitos de uma classe que nem todos se lembram que também são gente normal e que sofre todos os dias como nós e que só porque recebem milhões não quer dizer que não mereçam a nossa compaixão! Além disso Bobby vai ser o, como lhe chamaria o Wolverine, "Ferroso" no próximo enterranço (ou não) do senhor Avi Arad!
Quanto a isso de contar as vezes que aparece mestre fincher e saber o nome do zodiac, digo-vos já pessoal que é tanga! Eu tentei e só me dava "Juanito"... Mas... Espera lá... Será que... Ó Juanito onde andavas tu naquela altura que tinhas facas na mala do carro e com as quais andavas a matar galinhas?

domingo, 27 de maio de 2007 às 12:19:00 WEST  
Blogger juanito said...

Hey, cuidado aí com as insinuações falaciosas porque não vá o Bush ver isto e mandar uma bomba ou duas aqui para a grande nação, líder mundial de exportação de sapatos e móveis, e depois é que o Sócrates fica, de vez, sem país para governar. Já tive oportunidade de dizer que as facas não eram minhas, e o sangue era mesmo proveniente de galináceos. Além disso tenho um bom alíbi - nunca fui às Américas.
Dito isto, tenho que demonstrar o meu largo contentamento com o facto de em menos de 3 dias, o blog-mais-cool-da-web ter levado uma verdadeira reviravolta:
1º um comentário do nosso grande Rozé (Cid)
2º um post do Mari
3º novo comentáio do Rozé (outra vez Cid)
Ah! E agora que a Lima Ácida também ja pertence à família, ficamos à espera do seu parecer.

p.s. - para que não haja dúvidas - não sou eu o Zodíaco (é outro gajo)

domingo, 27 de maio de 2007 às 18:54:00 WEST  
Anonymous Anónimo said...

o que a prima(ou nao XD) tem a dizer e que o fincher é o mestre fincher mas a escolha de argumentos nem sempre e feliz... pessoalmente nao acho muito interessante a historia de um zodiaco encapuçado que anda a matar casais...alias de um xoninhas que ora ve coelhos ora guarda vacas e outras coisas, e mais uns quantos que nao tinham mais nada pa fazer e puseram-se a caça do cavaleiro(do zodiaco)...acho que nao e conteudo para 3 horas de filme... contudo o fincher presenteia-nos com alguns detalhes deliciosos (como a cena em que o graysmith vai a casa do possivel zodiaco ou amigo dele...uhuh... ou planos a fincher...) mas o brad faz sempre falta....

bem a minha linguagem nao e equiparavel nem proporcional ao conteudo intelectual da do sr mari, a quem dou os parabens desde ja pelo texto, por isso releiam o comment com sotaque frances.... pode ser que descubram o verdadeiro zodiaco...(ou nao!)

quarta-feira, 30 de maio de 2007 às 21:43:00 WEST  
Blogger juanito said...

É verdade, o Mari tem o dom da palavra, sim senhor, e é também, diga-se, um rapaz muito tímido, tão tímido que apenas aparece no blog uma vez por mês (quando ganha coragem para pegar no seu pczito portátil e ir ao café para apanhar wireless). Aguardamos então um post, do Mari, acerca da trilogia intitulada "Os Piratas das Caríbas", protagonizado por esse personagem do camandro que deixou o arco e a flecha na terra média, e agora luta com espada (como um verdadeiro homem). Ou então sobre a trilogia azul, branco e vermelho do Kielowsky.

quinta-feira, 31 de maio de 2007 às 10:26:00 WEST  
Blogger Kowbunga said...

O Mari é um engatatão, hum!!! Nós por cá não conhecemos muito a fama dele e ele até parece timido e tal... Mas lá fora, hum... é ver as miudas a suspirar por ele... E ele não diz mas... no calor e santidade da sua "baudrillard-cave" onde ele engendra estes posts magnificos há quem diga (e atenção que não sou eu, hum) há quem diga que não só a trilogia dos Piratas, mas também a do Homem-Aranha, está em constante loop no seu projector de cinema, hum, sempre com um balde de pipocas de meio metro para ele ir petiscando enquanto se delicia com filmes completamente descerebrados...
Ou então não... Mas a ser verdade gostaria de saber como é que o menino Mari já tem os ultimos tomos dessas fantásticas trilogias que ainda agora estão no cinema, hum???
Piratinha das caraíbazinhas, hum!

quinta-feira, 31 de maio de 2007 às 14:59:00 WEST  
Anonymous Anónimo said...

se lerem nas entrelinhas, e juntarem todas as ilaçoes acerca deste post podem concluir que o zodiaco e a pessoa que tem uma ''baudrillard-cave'' e que escreve eloquentemente em frances (isto é, em codigo)... nao?!....

quinta-feira, 31 de maio de 2007 às 22:10:00 WEST  
Blogger El Mariachi said...

rodrigão, aí meu cara, desempara aí a loja e leva sua camiseta, hein?

depois de ter demonstrado mais um pouco do meu carácter poliglota convém eslcarecer duas ou três coisinhas:

- se querem saber quem é o zodíaco, perguntem à única pessoa que está em condições de responder a isso, a maya.nem que tenham de interromper a tertúlia côr-de-rosa de propósito (se não sabem o que é a tertúlia, perguntem ao rozé, que ele passa as manhãs em casa sentado no sofá sem fazer nenhum desde há um par de meses)

- a baudrillard-cave é uma espécie de batcave, mas com tomos de literatura existencialista a substituir os morcegos (A Troca Simbólica e a Morte Vol.II também voa se a atirarmos pela janela à cabeça de um daqueles gajos que só curtem BD que vá a passar na rua)

- os piratas das caraíbas estavam bem era a saquear o titanic, assim a modos que no fundo do oceano, junto ao léozinho, o amigo do jóne.

sexta-feira, 1 de junho de 2007 às 17:08:00 WEST  

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