bala perdida: Poesia Urbana

quarta-feira, julho 04, 2007

Poesia Urbana

Foram precisos mais de 2 anos, para que algum de nós se lembrasse que, apesar de termos uma amante chamada cinema, temos uma paixão denominadada arquitectura. Ao fim de dois anos, aparece aqui, milagrosamente, um texto de arquitectura (é mais assim a modos que um poema). Neste caso sobre Nova Iorque (um bocado para celebrar a ida de um de nós a uma outra grande metrópole, Tokyo).



Manhattan transforma-se no palco de experimentação arquitectónico, no qual o real é a consequência mais directa da utopia. Durante o século XX, Manhattan modifica radicalmente a sua morfologia e gera, de uma forma avassaladora, o cenário metropolitano mais cobiçado para a concretização de qualquer tipo de fantasia. No início do século XXI, afirma-se (involuntária e irrevogavelmente) como um espaço de mediatização absoluta quando transforma a tragédia máxima, num momento que se revela igualmente cruel e sublime. A morte de milhares contribui, em última instância, para a solidificação da condição reivindicada: a que a utopia prevaleça. O simbolismo inerente à queda das torres é, apenas, um pretexto para que se possa materializar mais uma fantasia – precisamente onde aconteceu a tragédia. Com alguns anos de distância que fomentam a reflexão, a tragédia inunda-se a si própria de significados eminentes. Aquela que me interessa agora é, a face que relaciona directamente a imagem do desmoronamento das torres, com um gorila a escalar o edifício mais alto, ou os anões que habitam uma cidade miniatura. É a face que, de tão crua, se torna milagrosamente bela. Como os aviões a colidirem com uma parede maciça de betão e a consequente derrocada. Mais uma imagem incrível debitada por esse baú gigante de postais que é Manhattan. Não que alguém desejasse estar lá nesse momento, mas uma coisa é certa: Manhattan nunca fora tão bela. Tão perigosamente apetecível. Como uma paixão que desemboca numa tragédia, resta somente uma coisa: apaixonarmo-nos novamente. O estratagema resultou. Manhattan ergue-se das cinzas e, pelo sonho, promete a sua reconstrução de uma forma ainda mais sublime. A brutalidade do simbolismo é inigualável quando se constata que, efectivamente, existe já um novo ícone em Manhattan: um pedaço de terreno atulhado de destroços. A nova atracção que move milhões é uma parcela de terra onde, simplesmente não existe nada, a não ser entulho. O Central Park, inesperadamente, deixa de ser o vazio mais popular em Manhattan, para ceder lugar ao Ground Zero. Porém, além de serem ambos um vazio, no meio da massa edificada da ilha, é impossível qualquer outra relação entre eles. Sendo semelhantes no abstracto, são demasiado diferentes na realidade. A demanda popular pela quimera, subsiste e fortalece-se.

No início do século XX, essa procura materializou-se num mundo fantasioso, primeiro em Coney Island, depois em Manhattan. Primeiro os parques de diversão que ofereciam o alheamento da realidade mundana, e uma duplicidade formal obtida através de meios tecnológicos, que rapidamente se transferiu para Manhattan, depois a própria materialização na ilha maior, da fantasia, com o emergir do novo mutante que vem dominar a cidade. A metrópole molda-se à pressão popular, uma tentativa desesperada de resposta a um fenómeno que, em primeira instância, é provocado por ela própria. A derradeira condição metropolitana confere a Manhattan um poder mítico de controle sobre tudo o que se desenrola na ilha. Tudo menos a dimensão do sonho que ela própria estimula. É gerada uma arquitectura baseada nos princípios da demanda popular e associada, sempre, a um ideal hedonista e de consumo.

Em última análise, depois da busca popular pela satisfação da utopia, os próprios construtores de Manhattan são convocados a intervir, para que seja possível essa materialização. No fim, também uma elite cultural (o arquitecto) se propõe a intervir em Manhattan, aqui, para que igualmente as suas fantasias sejam consumadas. Manhattan adquire uma colecção absolutamente incrível de objectos construídos ao longo do século XX que, por um lado, são frutos deste fenómeno complexíssimo que é a sua própria condição metropolitana e que, por outro, e de uma forma extraordinária, funcionam milagrosamente em conjunto. A matriz, que em primeira instância provoca o constrangimento e delimita ao interior da quadrícula qualquer intervenção possível, permite, por outro, a construção e a co-existência de qualquer objecto dentro de si própria, assim como proporciona a derradeira fronteira celeste. E o ciclo fecha-se uma vez mais com a queda das torres. Manhattan está pronta para incorporar mais um elemento na sua densa malha: um novo sonho.

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5 Comments:

Anonymous Anónimo said...

para o juanito:
agradecidíssima pela sua passagem no meu blog, em nada parecido com o vosso, que leio e recomendo (ver links do meu blog). Eu, que também adoro cinema, também dispenso alguns minutos preciosos, do meu escasso tempo, a ler os vossos grandiosos texto :)
fiquem bem e "postem" mais :)

quarta-feira, 4 de julho de 2007 às 10:25:00 WEST  
Blogger El Mariachi said...

como diz uma personagem secundária do último e novíssimo livro do DeLillo - "Falling Man", anda pela FNAC do Fórum Coimbra, passe a publicidade - tomando a voz de uma certa consciência mais distanciada desse acontecimento do 9/11, chamemos-lhe a consciência "europeia":

- quando vocês ergueram as torres sabiam que elas estavam destinadas a cair.era algo implícito nesse acto de construção glorificada.

(ou se calhar estou a distorcer isto um bocado, julgando citar de memória)

de qualquer modo, parece-me uma opinião desempoeirada que absorve grande parte do espectro de sentimentos (entre o terror e o fascínio) que andam à volta do acontecimento mais importante deste novo século e, claro está, de Nova Iorque.

e, já agora, parabéns ao sr.arquitecto-poeta Jóne por se ter finalmente livrado dos doze trabalhos de Dárcules (eu ainda ando a cortar cabeças à hidra e depois ainda tenho de limpar as cavalariças de alguns equinos que andam pelo departamento).

sábado, 7 de julho de 2007 às 15:31:00 WEST  
Anonymous Anónimo said...

New York, New York... é de facto a cidade que sonha acordada... e a cidade onde tudo se materializa e desmaterializa num estalar de dedos...
o 9/11 surge precisamente como gerador de mais um desses submundos encerrados em NYC, possibilitados pela arquitectura... se olharmos para tras vemos que catastrofes como estas estao associadas a renovaçoes nao so neste campo mas tambem em muitos outros.
afinal de contas, e perdoem me o cliché, ''nada se cria, nada se perde, tudo se transforma'' e NYC e de certeza o exemplo perfeito disso.

Ah! por falar em New York que grande concerto dos Interpol!
e que post! muito bom ;)

domingo, 8 de julho de 2007 às 02:44:00 WEST  
Blogger Kowbunga said...

Do Japão apenas quelo dal os palabéns ao alquitecto Juanito e também Tiaguito! Alquitecto Mali, é a sua vez, é dal-lhe com folça e fazel uma plova muito glande, ok?

(Ehehe, não lesisti)

domingo, 8 de julho de 2007 às 03:37:00 WEST  
Anonymous Anónimo said...

Ai que isto e contagioso!!! palece mais a tulma da monica do que poltugues ajaponesado!!! =P
Aploveito pala dal os palabens ao Alquitecto Helcules!

plopes po ppl! XD

domingo, 8 de julho de 2007 às 20:08:00 WEST  

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