bala perdida: Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal

quinta-feira, julho 17, 2008

Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal



Substancialmente mais tarde do que se poderia prever, mas ainda a tempo de exercitar um grupo de neurónios adormecido desde 1989, eis que uma tranquilo princípio de tarde de Julho na cidade com mais estudantes por metro quadrado se transforma, de súbito, numa peregrinação transcontinental em busca de um artefacto alienígena de dúbia existência lógica. São já perto das 15h20m, hora marcada para o início das festividades à porta daquela sala de cinema, quando o jovem escriba da BP tenta discretamente (e sem sucesso, devido à barba de 3 semanas) infiltrar-se num grupo de canalha supervisionado por respectiva figura maternal e armado até aos dentes com pipocas e coca-cola. Objectivo: perceber o que anda o Dr. Henry Jones Jr. a fazer no ano de 1957, ou por outras palavras, assistir ao acontecimento mais importante desde a chegada do Homem à Lua (apesar de exactamente metade da redacção deste pasquim não ir muito nessa conversa do Aldrin e do Armstrong terem efectivamente pisado a superfície lunar, antes um tapete que forrava o estúdio londrino onde Kubrick encenou esse filme de propaganda Ocidental patrocinado pela Kellog's): Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal.

Ainda mal se findou a clássica introdução da Paramount, já o filme meteu a terceira, arrancando com uma bela sequência que nos coloca desde logo no espírito da América dos anos cinquenta. Durante a primeira hora, Indy4 é uma espécie de viagem alucinante numa montanha-russa que vai encadeando sucessivamente grandes sequências de cinema uma após a outra, originando amiúde o reflexo pavloviano de levantar o punho erguido e gritar bem alto (para a câmara de eco de uma sala quase vazia): "Fóque! Isto é o Indiana Jones!" e "Spielberg é fixe!". Ao mesmo tempo que introduz toda a história em torno do objecto-chamariz deste quarto tomo (um artefacto supostamente alienígena), esta primeira parte consegue também evocar eficazmente cenas do passado (personagens e acontecimentos marcantes da saga, enriquecendo o franchise Indy) e ainda imiscuir o Dr.Jones numa série de acontecimentos relevantes nos E.U.A. do período inicial da Guerra Fria (cogumelos nucleares, listas negras de simpatizantes comunistas, rockabillies vs. jocks, etc).



Durante este período inical de graça, o herói escondido por detrás da silhueta de Indiana Jones é nem mais nem menos do que o realizador, Steven Spielberg, que movimenta a câmara e coordena os ritmos da acção com um à vontade que simplesmente outros 30.000 realizadores a trabalhar na terra da madeira sagrada não têm (incluindo tu, Brett Ratner). Todo este virtuosismo ao serviço de escorreitas sequências de acção é reminiscente de outro filme recente de Spielberg, o "semi-baseado em acontecimentos semi-reais" Munich, que ao fim de uma primeira hora ao nível do mestre Hitchcock, afundava-se em sentimentalismos vários, culminando naquela que é provavelmente a cena mais ridícula alguma vez projectada num cinema (à parte a totalidade do oscarizado Crash).

Indy4 segue mais ou menos a progressão do Munich (e, já agora de outros filmes recentes do Spielberg, como o A.I. ou o Minority Report, que têm umas duas horas a mais, cada um), começando com um estrondo e acabando sem deixar grandes saudades. Talvez o Spielberg ganhasse alguma coisa em trocar as longas-metragens pelas curtas e começar a concorrer a festivais de cinema em Portugal. Ou em acabar a amizade com o George Lucas, pelo menos mantê-lo longe do estúdio enquanto filma, o que reduziria concerteza a percentagem de seres de outro planeta a partilhar o ecrâ com actores a sério (apesar da desvantagem no aumento dos custos de catering).



O que fica de Indy4 é, em primeiro lugar, a certeza de que Harrison Ford fazia mais 17 Indys, se lhe pedissem. Que ecrâs azuis e macacos em 3D não valem de muito quando se pode simplesmente pedir a dois duplos para "jogar à espada" enquanto se deslocam paralelamente em dois carros a 80 à hora no meio da selva. Que os comunas são levados da breca e têm sotaques engraçados (tal como os nazis). Que, como actor, até o Shia LaBeouf é melhor que o Jar Jar Binks. Que uma montagem cruzada de um avião a voar com um mapa a ser atravessado por um risco vermelho (e o tema do John Williams por cima) é, ainda hoje, a melhor maneira de imaginar uma viagem à volta do mundo.

Uma nota final só para dizer que, felizmente, parece que a saga fica por este quarto tomo, ao contrário de rumores (iniciados pelo diabo em pessoa, George Lucas) que apontavam para uma passagem de testemunho Ford > LaBeouf. Claro que tudo depende da interpretação que se faz da penúltima cena do filme, envolvendo uma disputa pela posse do chapéu mais famoso da história do cinema.



Um sentido até sempre, Indy.

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1 Comments:

Blogger juanito said...

Concordo com o Mari - a primeira parte do filme aproxima-se bastante de um modelo de filme do Indy a tender para o perfeito. Depois as coisas descambam e o filme atinge níveis de absurdo tão altos que tudo se transforma num eufemismo, e as coisas tornam-se maravilhosamente belas.

Um tipo tem que olhar para isto como "isto" é: o Lucas e o Spielberg a fazerem aquilo que faziam à 30 anos - filmes para eles próprios - mas agora o panorama cultural e a exigência cinéfila já não é a mesma - é agora muito mais exigente - o que faz com que o público já não vá em cantigas fáceis do tipo "deixa-me cá pôr o Indy a conviver com aliens" ao contrário do que acontecia antes: "deixa-me cá pôr o Indy a conviver com espíritos" (a bem dizer, os aliens parecem-me mais rapidamente verosímis).

A passagem de testemunho de Ford para LaBeouf já estava há muito confirmada, se bem que isso não significa necessariamente que o LaBeouf irá protagonizar filmes do Indy.

segunda-feira, 21 de julho de 2008 às 21:30:00 WEST  

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