bala perdida: Não me lynches, ó david

segunda-feira, abril 17, 2006

Não me lynches, ó david

Ha, ha, ha, primeiro um momento para me rir com gosto deste trocadilho maroto do título.



Agora sim, voltando a isto, tive a oportunidade de ver o Blue Velvet, filme de 86 do David Lynch, esse ganda maluco, que tem o hábito de fazer películas muito pouco lineares e escorreitas (podia meter outra piada aqui, referindo-me a outro filme do homem, mas acho que já provei que sou bom nisto das brincadeiras com a língua portuguesa, ou então, bom material para três temporadas dos malucos do riso e 17 espectáculos do fernando rocha, 14 dos quais preenchidos com carvalhadas) com um sentido de narrativa bastante surreal e personagens provavelmente criadas sob o efeito de uma ressaca de 22 (não, não estou a tentar citar os números do lost) drogas ilegais misturadas com uma boa ginja de Cantanhede.

Lembro-me de quando vi o Lost Highway, já há alguns anos, e no fim, depois da música do bowie voltar a tocar em cima da estrada (é o que se chama de elipse), ficar assim mais ou menos a ruminar com o cérebro: WHATDAFUCK?! Pensava eu, está-me aqui a escapar qualquer coisa (muitos anos púberes a ler a Agatha Christie) , talvez se vir o filme todo em câmera lenta apanhe umas pistas. Felizmente o meu vídeo não tinha essa funcionalidade, por isso o filme foi crescendo na minha cabeça a partir de memórias de algumas cenas marcantes (a casa em chamas, as filmagens no interior da casa, a cena no clube com o solo de saxofone desvairado, etc) e, principalmente da cara do gajo pálido e sinistro, que ainda hoje, quando me lembro, fico todo borradinho de miúfa e mando-me para debaixo da cama agarrado ao Livro do Senhor, que tem a palavra de Deus e do Ratzinger, esse neo-profeta que veio para nos salvar da internet.

Hoje em dia, no século XXI, aprecio muito esta película e, depois de ver o Mulholland Drive, o Homem Elefante, o Dune e a fabulosa primeira série do Twin Peaks tenho o David em muito boa conta. Daí ter deitado as unhas a um exemplar do já referido Blue Velvet. Em boa hora o fiz, caros leitores e exmo. Cardeal Ratzinger (deixe-me só escrever umas linhas e eu já deixo a net toda para si).

O filme coloca-nos numa típica cidadezita no interior da América, Lumberton, onde a madeira é rainha e "toda a gente sabe o que significam os aneís das árvores". Mas não, não é uma história de amor sobre dois lenhadores homossexuais (isto não vendia em 86), mas uma exploração sobre a violência e sobre o desejo. O ritmo é deliberadamente lento, acompanhando as aventuras de Jeff Beaumont, que começam quando descobre uma orelha humana num descampado. Isto despoleta uma narrativa central que envolve as actividades de uma pandilha de gangsters (cada um mais estranho que o outro, claro), mas o eixo principal do filme, digamos, o tema, é um quadrado amoroso que se vai formando entre os principais protagonistas que gravitam à volta do Beaumontzinho, que é muito inocente, ou não. O que é catita neste filme é o contraste entre o ambiente quase idílico dos cenários exteriores e a agressividade que os personagens carregam, subvertendo a lógica da bela e simples vidinha americana.

Há uns diálogos fabulosos, especialmente um em que o Frank (que é mau como as cobras) convida o Jeff para dar uma voltinha com a gangstalhada (talvez a melhor sequência do filme, quando o Lynch entra em territórios derivados da sua imaginação e dá rédea solta aos actores para abusar do estilo e até aparece um gajo maquilhado a cantar para uma lanterna como se fosse um micro). Há cenas de sexo violento, humilhação e violência pura e dura, mas não estão lá a mais, para chocar (olá Padre Amaro), têm um fim e justificam/são justificadas pela história. E, convenhamos, não me importo de ver a Isabella Rosselini nua, é verdade. O Dennis Hopper, felizmente, não aparece em pelota, mas tem um excelente papel. A banda sonora, primeira de muitas colaborações do David com o Angelo (Badalamenti) é do melhor, especialmente na cena final que, olhem só, também é uma elipse (isto cheira-me a filme noir).

Até dava uma notinha ao filme, mas o jone ainda não me ensinou esses esquemas de pontuação à jornalista de suplemento indiepseudocultural.

Frank Booth: You wanta go for a ride?
Jeffrey Beaumont: No thanks.
Frank Booth: No thanks. What does that mean?
Jeffrey Beaumont: I don't want to go.
Frank Booth: Go where?
Jeffrey Beaumont: On a ride.
Frank Booth: A ride? Hell, that's a good idea. Okay, let's go. Hey, let's go.

Etiquetas: ,

6 Comments:

Blogger juanito said...

Esse diálogo do Frank (mau como as cobras ou mau como o COBRA?) fez-me lembrar o COBRA. É o humor que cativa pela simplicidade (ou será pela estupidez?, de qualquer das maneiras cativa e não é pouco). Depois lembrei-me do History of Violence em que, o outro David (sem ser o Fincher) mostra-nos também uma cidade (só aparentemente) pacata do interior rural lá das américas. Acabadas as semelhanças confesso a minha também grande admiração pelo Lynch e pelos cagaços que já me fez passar (nomeadamente o tipo com a cara branca) e agradeço-lhe ter-me mostrado (a mim e ao Mariache que também viu o filme) o peito da Patricia Arquette. Confesso também que o meu filme preferido dele é, porventura o que tem a história mais simples (sim, e quem é esperto percebe onde está a piada, e quem não é que vá ao imdb).

COBRA rulla (alguém põe uma foto do gajo aqui, ou quê?)

segunda-feira, 17 de abril de 2006 às 03:18:00 WEST  
Blogger Kowbunga said...

Lynch, és bem fixe e tal e Mullholand drive rules, e coração selvagem tb, e lost estrada, e twin picos, e blue veludo tb, e o Homem elephant tb, e o Dune é um filme que se tirarmos a imagem é bem fixe porque p livro de onde o adaptaste tá bem fixe, mas deu para aprenderes a filmar e a montar filmes de olhos abertos! És o maior! Viva o Lynch, viva o COBRA que já tá a dar que falar outra vez e viva a BALA PERDIDA porque tb merece!

segunda-feira, 17 de abril de 2006 às 09:52:00 WEST  
Anonymous Anónimo said...

Dêem-me a vossa opinião sobre "Uma História Simples", por favor. É que não conheço ninguém que o tenha visto e é um filme que sendo realizado pelo Lynch, me causa alguma indignação.... Parabéns pelo post, gostei muito! Abraços

segunda-feira, 17 de abril de 2006 às 12:36:00 WEST  
Blogger juanito said...

No intervalo da escrita de mais uma aventura do COBRA, arranjo tempo para deixar aqui no sítio-mais-cool-da-web um pequeno avalo sobre a obra do Sr. Lynch. Apesar de achar o Uma História Simples uma obra notável a vários níveis (calma lá, já la vou), tenho de voltar atrás e pôr no topo (das minhas preferências pessoais) o Wild at Heart. Este também um exercício soberbo de estilo, que dá ao Nicolas Cage o melhor papel da sua carreira (e daí foi sempre a descer, apesar de eu ter a esperança que o Tarantino pegue no gajo e o meta na linha - não associar com droga p.f.). Neste filme Cage intepreta Sailor um jovem rebelde com nuances rockabillys que tem uma relação escaldante com uma tipa bem gira (Laura Dern - Lula). O seu amor é constantemente posto à prova e a mãe da gaja (que é meia puta - desta vez no sentido literal da palavra) a única coisa que sabe fazer é lutar para vê-los afastados. Neste filme, além dos personagens, a estrada é também um elemento central do filme (é nele que eles conduzem o automóvel e se dirigem a várias localidades - não estranhem se o texto parecer cómico).

Elemento esse que se manifesta em filmes posteriores tais como os mencionados no post - Mulholland Drive, Lost Highway, Blue Velvet (nunca vi, mas parece inserir-se neste grupo), e inclusivé o Straight Story. Aqui sim a estrada passa de "actriz secundária" para "actriz principal". A história é simples e resume-se em duas frases. Richard Farnsworth interpreta Alvin, que é um idoso que tem dificuldades em urinar, e que tem um irmão que está prestes a morrer e vive do outro lado do país (passa-se algures no interior da américa, não me perguntem exactamente onde - já vi o filme à 5 anos) com o qual não falava já à bastante tempo. Isto desencadeia uma vontade bruta em Alvim de visitar o irmão, mas como não tem carta de condução, propõe-se a percorrer a distância num cortador de relva (é verdade). O filme tem um ritmo lento (também devido ao facto de ser protagonizado por velhotes, e acho que eles não conseguiam fazer as coisas mais depressa) muito agradável, que nos integra na viagem com Alvim. O ambiente do filme leva-nos a percorrer o caminho até ao irmão (já sabem se não têm diheiro para viajar comprem o filme ou saquem-no da net, mas no segundo caso evitem dizer ao Lynch). Ao tocar um tema mundano o filme obriga o espectador a fazer também ele uma viagem introspectiva enquanto acompanhamos Alvin na sua viagem, por vezes, inóspita e solitária mas extremamente bonita e gratificante (nem que seja pelas paisagens). E depois há os sets do filme que estão soberbos e, nos quais a ruralidade aparece no seu máximo esplendor (bem, no máximo não sei, porque ainda está um filmezinho aí a sair que promete dar coça a tudo o que é rural, mas pronto). Tudo isto para dizer: vejam o filme e se puderem vejam também o Wild at Heart 3 vezes seguidas. E depois venham aqui e postem alguma coisa sobre o COBRA.

"Óh Lynch, eras gajo de fazer um filme com o COBRA."

segunda-feira, 17 de abril de 2006 às 15:16:00 WEST  
Anonymous Anónimo said...

É o único a quem permito que me faça pagar um bilhete de cinema e vir embora sem perceber metade do filme mas a morrer de medo de encontrar pela rua uma espanhola sinistra a cantar, ou uma orelha, ou ainda o espirito do Jack a icorporar o agente Dale Cooper.Ainda para mais sai-se sempre da sala com a sensação que o génio voltou a criar uma obra-prima. "Uma história simples" é muito bom mas prefiro o "Lost Highway", o "The Elephant Man" e todos os episódios dessa grande série de nome "Twin Peaks" onde o senhor meteu a mão.

ps: o facto de permitir ao lynch não quer dizer que permita a outros senhores tá?

quinta-feira, 18 de maio de 2006 às 12:56:00 WEST  
Anonymous Anónimo said...

Where did you find it? Interesting read Merchant account retail

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2007 às 00:56:00 WET  

Enviar um comentário

<< Home