bala perdida: Rebuçado Fora de Prazo

sexta-feira, junho 16, 2006

Rebuçado Fora de Prazo



Olhando para o mísero panorama de filmes programados pela mui grande Lusomundo para a sua dezena de salas no centro comercial aqui do burgo, a tentação é comprar um pack mega balde de pipoca mais suminho, apanhar o bus até ao Avenida, alugar a filmografia completa do bruce willis e passar uma bela tarde no sofá a reviver belos momentos de infância, acompanhados de uma banda sonora composta exclusivamente de tiros, explosões, rajadas de ak-47, mais tiros, pneus a derrapar e mais explosões e tiros (de vez em quando há um soundbyte logo a seguir ao bruce cortar a cabeça a um tipo,ou partir-lhe o braço só com um golpe, ou enquanto coça o rabo). Ou, em alternativa, pesquisar pela net trailers filmes de acção dos anos 80 (daqueles que só saíam em vhs directo para aluguer - ninja americano I ao IV; a saga kickboxer; todos os da primeira fase da carreira do dolph lundgren, tirando o he-man e os masters do universo; etc).
Sabe-se lá porquê, decidi-me a fazer o oposto e arriscar uma ida ao cinema para ver "Hard Candy", algo intrigado pelo cartaz (catita!) que promovia o filme. Como já sabia antes de entrar, o plot tinha algo a ver com uma míuda (supostamente) inocente que seduzia um (suposto) pedófilo e depois as coisas começavam a tomar um rumo (supostamente) menos óbvio. Sim, à distância podia-se sentir já um odor a argumento-pseudo-inteligente-assim-do-género-do-saw, muito na moda nas américas por estas alturas. Mesmo assim, como sou um gajo sem preconceitos - apesar de alimentar a secreta esperança de um dia entrar na opus dei - dispus-me a refastelar-me na cadeira e apreciar o filme.
Até começa bem: belo e simples genérico com acompanhamento sonoro minimal, que introduz uma conversa, no ecrã de um chatroom, entre a presa e o caçador (ou viceversa). Encontram-se num café e começam a flirtar, ou lá o que isso quer dizer. Os diálogos iniciais estão bem escritos (ao contrário de outros de uma recente curta-metragem portuguesa, filmada no final do Verão passado e que vai ser remontada e re-sonorizada em breve) e os dois protagonistas parecem saber muito bem o que estão a fazer - especialmente a rapariga, que consegue transmitir uma ambiguidade muito subtil na maneira como seduz um gajo que é vinte anos mais velho. Estranha-se que o filme entre assim de rompante, sem meias medidas, nem construção de ambiente, nem backgrounds das personagens. Parece que o realizador tem pressa em chegar não se sabe aonde. Quando eles deixam o café e rumam a casa do gajo, que é fotógrafo de profissão, percebe-se a razão para tanta correria: o filme decorre exclusivamente dentro dessa casa.
É a partir desta altura (portanto, logo após os primeiros 15 minutos) que a coisa começa a descambar, culminando num desastre ao nível do naufrágio desse navio (falha-me o nome, de momento) que protagonizou um documentário de 7 horas (pareceram-me) realizado pelo james cameron e protagonizado pelo leo-enterra-o-martin-scorsese-di caprio. A miúda afinal não é o que aparenta (um bocado óbvia a metáfora do casaco de capuz à capuchinho vermelho - como vêem isto é mesmo material ao nível do saw) e começa a torturar o coitado do pedófilo, não porque a chavala curta mesmo a onda SM, mas porque há um esquema de vingança diabólico a cumprir (que é revelado no fim), baseado numa treta inventada à pressão que o argumentista arranjou porque as filmagens já iam começar e ele também tinha que entregar um script para o rush hour 4 e o guião dos 24 episódios da 8a série do dharma & greg. Digamos que a tortura principal aqui é a que o filme exerce sobre os pobres diabos que pagaram 4 euros pela sessão, aumentando exponencialmente cada vez que a menina abre a boca para entaramelar um discurso algures entre o feminismo, o cinismo e a rebeldia teen, que nos incita a torcer para que o pedófilo se consiga soltar das cordas e lhe aplique umas boas estaladas na cara (atenção!tudo sem laivos de sexualidade, que eu sou um homem de família) para ela calar a matraca.
De destacar também, o estilo visual mais irritante dos últimos tempos: cada vez que há uma cena com mais acção, entra em campo o "cameraman-mãos-de-gelatina", a coisa treme tanto que não se consegue distinguir nada (se calhar é um ponto positivo, então). As cores são tão saturadas que julgamos que, enquanto a acção decorre, um incêndio de proporções épicas lavra em torno da casa. Com o aproximar do fim e o consequente aumento dos bocejos na audiência, já não há a mínima pachorra para tentar apanhar o que quer que se esteja a passar no desfecho, mesmo que viessem seres do espaço num disco voador, com a forma do palácio do escorial, para teletransportar a casa para o último planeta da galáxia onde vivem o thor e os deuses nórdicos e tudo isto fosse afinal uma realidade alternativa criada pelo planeta solaris, ninguém quer saber, tanto se lhe dá. Para simplificar, a coerência narrativa do filme assemelha-se a um prato de chanfana: cheira mal, tem mau aspecto antes de se provar e depois de se provar também não é lá grande coisa.
Para concluir: rebuçados há muitos, mas os únicos de jeito são os Flocos de Neve.
Encerro o meu capítulo sobre metáforas culinárias por aqui.
(a foto dos flocos foi sacada - sem permissão, peço desculpa - do blogue Blues Por Um Interno)

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12 Comments:

Blogger Kowbunga said...

Devo dizer que também fui ver o mesmo filme que o caro Mariachi viu... Sem saber muito bem o que me esperava lá me introduzi na sala de cinema ainda espantado pelo Q de qualidade colocado ao lado da idade minima para poder ver o filme. Não é normal um tipo de filme deste género ser acompanhado por este tipo de classificação, devia haver qualquer coisa mal ali... Definitivamente algo cheirava mal... E tinha razão, uns quantos bancos ao lado, outro carissimo espectador não deveria tomar banho há já algum tempo, incomodava, é verdade, mas lá se passou a metragem... No que diz respeito ao filme em si, a unica coisa que sabia é que partia da premissa de "E se... o capuchinho vermelho contra atacasse?"! Devo dizer que os objectivos foram sinceramente cumpridos nesta subversão da história infantil criada por Charles Perrault. Numa metáfora transportada para os nossos dias o Lobo Mau é encarnado por um pedófilo (algo óbvio, certo, mas eficaz) e o Capuchinho Vermelho personificado pela fabulosa Ellen Page de seus prováveis 15 aninhos e que tal como El Mariachi já havia indicado começa com uma prestação acima do normal, sendo que o resto do seu registo se encontra no nivel bom.
A partir do momento que os dois personagens chegam a casa do Pedófilão começamos a perceber que o Lobo Mau vai levar na tromba e não é pouco. Torturado a torto e a direito o Pedófilão lá se vai tentando safar como pode. Mas a verdadeira tortura é para os espectadores, não por terem gasto o seu dinheiro, mas porque o seu psicológico é trabalho através da insinuação, visto não existir grande violência explicita.
Esta critica apenas é uma visão diferente do mesmo filme, enquanto a outra foi negativa, est, por seu lado, é bastante mais positiva. Resta ao pessoal decidir se se deve aventurar ou não para ver um bom filme (na minha opinião). E realmente os planos de camara ao ombro irritam um pouco, mas a saturação da imagem tá demais.

sexta-feira, 16 de junho de 2006 às 21:58:00 WEST  
Blogger juanito said...

Pessoalmente não me seduzem por aí além o tipo de filmes que alguém, temeroso demais para encontrar uma expressão em português, rotulou em jeito de importação, "thrillers".

Exceptuando uma ou outra maravilha, como o Silencio dos Inocentes, o Seven ou o Oldboy, que com algum esforço se consegue vislumbrar uma perninha thrilleresa, continuo na longa caminhada que é voltar a encontrar um filme deste género que seja realmente inteligente, não repetitivo e não tenha o Denzel Washington como protagonista.

segunda-feira, 19 de junho de 2006 às 16:45:00 WEST  
Blogger juanito said...

Ah! E quase me esquecia de manifestar a minha concordância com o Mari, em relação à melhor forma de ultrapassar o facto deprimente de estarmos numa cidade com mais de 15 salas, e só haver filmes que a TVI já se encarregou de comprar para passar aos sábados e domingos, dia de ir à missa ouvir o padre a falar sobre a vida e a morte, o Jesus a Maria e o Deus, e os apóstolos e as túnicas e rezar e a lepra e o Ben-Hur e o Lázaro, que resuscitou porque o Jesus foi lá e tocou-lhe na mão, assim sendo, mas não só por isso, os filmes do Bruce Willis, que na sua globalidade obedecem a um padrão aceitável de qualidade, em termos de entretenimento claro,
tornam-se verdadeiras obras de arte, tirando por um lado, os die hards o 12 monkeys o pulp fiction os do mestre "night 'malan" e o sin city, que não necessitam de estar neste contexto religioso-festivo-TVI-Coimbra-pasmaceira-tipo-alentejo-ou-pior-porque-pelo-menos-lá-há-chaparros-e-aqui-não, porque são mesmo bons, e todos os filmes que o Brucito protagonizou de comédia, que são maus, mas que neste mesmo contexto sobem para um nível de qualidade elevada, por comparação directa.

segunda-feira, 19 de junho de 2006 às 17:06:00 WEST  
Blogger Kowbunga said...

viva a tvi? morangos com açucar? canal que compra um filme e depois o repete insistentemente durante todos os fins-de-semana provavelmente até a bobine se partir, ou até a cara do Leo se parecer com a da Kate Winslet? Grande canal...

terça-feira, 20 de junho de 2006 às 10:36:00 WEST  
Blogger El Mariachi said...

retomando a discussão sobre o elenco de filmes que a lusomundo vem disponibilizando às massas em coimbra, resta-nos esperar pelos blockbusters do verão (que devem chegar cá lá para inícios do outono) encabeçados pelo super... perdão, estava a vir ao de cima a minha costela BeDéfila ou lá como se diz (já o sidzinho não tem só uma costela, há quem diga que o corpo dele é constituído por 50% de pasta de papel de revistas aos quadradinhos + 0% de gordura corporal + 50% de bicepes, tricepes e restantes fibras musculares derivadas do aço).

dizia eu que vai estrear a versão cinematográfica do clássico de culto da TV mais popular dos anos 80, o Miami Vice, realizado pelo produtor original, michael mann e com o colin-gosto-de-me-filmar-a-fazer-o-amor-com-coelhinhas-da-playboy-e-depois-difundir-pela-net-farell no papel do crockett (croquete de bacalhau, na versão portuguesa de herbert richards) e jamie-fiz-dezanove-filmes-só-na-semana-passada-e-tenho-a-mania-que-domino-a-música-também-foxx, encarnando o "coloured and slightly humouristic sidekick" ricardo tubbs.

as fotos e o trailer (sonorizado pelo jay-z a rappar em cima dos linkin park, um dos temas mais chatos de sempre - mesmo segundo a bitola dos linkin park - mas que surpreendentemente cola bem na montagem) já andam por aí há muito e prometem. vamos cruzar os dedos das mãos e dos pés e rezar alto ao ratzinger para que não descambe num desastre tipo aquele do navio que ainda não me lembra o nome.

terça-feira, 20 de junho de 2006 às 12:46:00 WEST  
Blogger juanito said...

Caro Rozé,

Penso que terá interpretado mal o meu comentário sarcástico em relação aos filmes do actor Bruce Willis, e em relação à estação televisiva TVI (TeleVisão Independente). Assim sendo e em jeito de apanhado, o comentário não se propunha a realçar qualidades da TVI, até porque não existem tirando o feito magnifico de conseguirem enchouriçar na mesma produção os 50 piores actores portugueses, se é que se podem chamar de actores, propunha-me sim, no tal comentário que suscitou má interpretação, criticar veemente a má eleição dos filmes da TVI para as matinés de sábado e domingo, relacionando-os de uma forma directa com o mau cartaz que dispomos em Coimbra nas salas de cinema Lusomundo. Em relação ao filmes do actor Bruce Willis, tirando algumas excepcções que são já de si grandes obras, quando comparados com os filmes atrás referidos, ganham por comparação directa um estatuto de obras de arte.

Atenciosamente, Juanito

sexta-feira, 23 de junho de 2006 às 15:08:00 WEST  
Blogger Kowbunga said...

Caro Jóne,

Obrigado pela explicação pois senão teria ficado na ignorância para sempre a pensar que a TVI seria um bom canal... Eu até gosto bastante das repetições semanais que este canal faz de um determinado "filme-afundado-no-qual um-barco-também-afunda-mas-que-não-pode-ser -verdade-pois-rendeu-bué-guito-logo-é-o-melhor-filme-do-mundo".
É claro que isto sou só eu, vossa senhoria nunca faria tal coisa de todas as semanas perder 3 horas a ver esse filme e depois ver mais 3 horas e tal no DVD para ver as diferenças.
Mais uma vez obrigado pelo esclarecimento de ponto de vista.

Atenciosamente El Sid

sexta-feira, 23 de junho de 2006 às 18:20:00 WEST  
Blogger juanito said...

Caro Rozé,

Sem querer entrar no mundo barato das picardias online, volto a frisar que mais vale ver uma certa mulher de nome Winslet semi-nua, que um certo homem de seu nome "A Rocha" ou em bom inglês "The Rock", também ele semi nu. Mas cada um tem os seus gostos, não querendo, claro, menosprezar os seus.

Disponha sempre, Juanito

sábado, 24 de junho de 2006 às 14:36:00 WEST  
Blogger Kowbunga said...

Caro Jóne

Eu próprio, sem me querer envolver nesse submundo da tão aclamada picardia bloguista, só lhe queria dizer que a Winslet não é propriamente uma diva do ecrã, embora tenha razão, é sempre melhor ver uma mulher semi-nua do que um homem. Mas seguramente que não é pelo corpo semi-nu dessa semi-diva que vóismessê gostará do filme do barquito, não querendo, claro, menosprezar também eu os seus gostos.

Disponha mais ainda, El Sid

sábado, 24 de junho de 2006 às 15:20:00 WEST  
Anonymous Anónimo said...

é cada post mais longo..que já nem levo um periódico p'r'à casa de banho, levo o pc.

segunda-feira, 26 de junho de 2006 às 13:16:00 WEST  
Blogger El Mariachi said...

eu prefiro o velho e fiável papel higiénico, de preferência, de folha dupla.

segunda-feira, 26 de junho de 2006 às 14:25:00 WEST  
Blogger Kowbunga said...

Já eu sou mais de toalhitas húmidas, daquelas que não arranham estais vendo, e que deixam uma sensação de frescura como se fossemos a pessoa mais importante do mundo... Ahhh, belo produto.

segunda-feira, 26 de junho de 2006 às 17:00:00 WEST  

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