bala perdida: agosto 2006

domingo, agosto 13, 2006

Miami Nice



Acabadinho de chegar do cinema, onde pela segunda vez pus as gafas em cima do mui aguardado filme do Michael "the man" Mann, Miami Vice, a primeira coisa que fiz quando cheguei a casa foi escrever num post it, para mim próprio:

- deixar crescer o bigode
- começar a juntar dinheiro para um ferrari descapotável
- beber mojitos
- ter estilo

Na mesma altura em que estreia mais um filme do super-herói preferido de muito boa gente, o produtor executivo da série com mais pinta dos 80s reinventa a dupla Crockett/Tubbs em dois samurais dos tempos modernos, com um código de honra a seguir à risca e uma dama para proteger, cada um. Em vez de cavalos, temos Ferraris, Chryslers, aviões a jacto e lanchas quitadas, e as espadas foram trocadas por MACs 21, caçadeiras de cano duplo e uma espécie de mini-bazucas que deixam os mauzões um bocado indispostos quando se lhes acerta na tripa. Ao contrário do que sucedia nos saudosos eighties esta dupla do camandro não está para brincadeiras e concentra-se apenas em livrar o mundo de narcotraficantes, supremacistas brancos, ganguestéres latinos com sotaques engraçados (Aime a diszco méne, diz o José Yero) e bandalhos em geral. Claro que se puderem ter estilo ao mesmo tempo que despacham esta malta toda, melhor: o que o mundo precisa neste momento é de polícias com mais pinta que aqueles azelhas do CSI:Miami. O Jamie Foxx ganha aos pontos ao Collin Farelo na cena de "ser actor", porque consegue restringir os seus habituais excessos e encarnar o espiríto cool da personagem, enquanto o seu parceiro - apesar de, em termos visuais, ser a actualização perfeita do Don Johnson circa 85-89 - quando tenta "actuar" a sério, parece que está sempre meio drogado (já nem falo do sotaque da Gong li, que não convence ninguém).

Pinta maior ainda tem a fotografia do filme. Aproveitando as vantagens do digital de alta definição (assim como se o George Lucas soubesse trabalhar com aquilo), a maior parte das cenas desenrola-se à noite, conseguindo-se obter planos fabulosos de Miami e de outros locais, sem recurso, na grande parte dos casos, a iluminação artificial (há uma cena bestial com uma das lanchas rápidas no meio do oceano, na escuridão total, em tons de azul), e com uma certa dose de grão na imagem que fica a matar. Depois, nas cenas de exteriores filmadas de dia, principalmente em Cuba (simulada no Haiti), a composição cromática de cada plano está calibrada ao detalhe, conferindo às deambulações de Sonny Croquete e sua concubina uma dimensão pictórica realista que ultrapassa em muito a tradicional filmagem-de-rua-estilizada-tipo-documentário-com-bué-da-saturação-tipo-Traffic-que-já-chateia-um-bocado.

A câmera do Mann segue principalmente os dois pintas, abusando das cenas em aceleram no bólide, fazem acrobacias com jactos e mandam gazete na sua lancha Mojo (nome que serve para as senhoras saberem que o Croquete é mesmo muito machão), marcando o ritmo do filme, um pouco à imagem do que acontecia na série, sendo este talvez o maior ponto de contacto entre os dois produtos. A narrativa baseia-se numa operação de infiltração numa rede de narcotráfico, onde supostamente - segundo a componente filosófica que tentaram meter a martelo no enredo - a identidade verdadeira e a falsificada se começam a confundir. Durante o filme há apenas umas linhas de diálogo sobre isto, trocadas entre os dois parceiros, que não chegam para beliscar os neurónios com questões de psicologia contemporânea e, de qualquer maneira, está-se distraído com o portento visual de cada cena, por isso passa ao lado e não faz nenhuma espécie.

Após um início numa disco a todo o gás, o filme vai desacelerando até ao fim da primeira metade, atingindo um ponto crítico com os desenvolvimentos românticos entre Sonny e Isabella, a bela concubina. Este amor todo em excesso chateia um bocadito, ainda por cima, quando é sonorizado por baladonas chatinhas dos Audioslave, mas o Mann logo a seguir decide meter outra vez prego a fundo quando introduz a sequência do resgate da moça do Tubbs, uns 15 minutos de cinema puro que nos deixam colados à cadeira a pingar suor por todos os poros até alguém levar com uma bala a 800 metros por segundo na base do crânio. Isto também pode ser dito de todas as sequências de acção: o realismo do som do armamento em acção é incrível (eu tirei o curso dos Rangers em Lamego, por isso sei), não há explosões da treta nem coreografias à John Woo (que tiveram o seu tempo, o século XX) e não há nada mais bonito que os clarões das metralhadoras a comporem um belo fogo-de-artifício nocturno, que até parece que estamos numa favela do Rio de Janeiro.

O melhor está ainda guardado para a sequência final, onde, na ressaca do tiroteio tira-dúvidas da praxe, o realizador aproveita um tema instrumental dos Mogwai (que casa tão bem com a montagem que parece uma Morriconada de 5 estrelas, uma actualização do Crockett's Theme para o século XXI) para construir um final em crescendo, cruzando os pontos de vista de Croquete e Tubbs até percebermos, num simples, mas extraordinário último plano, que eles são mesmo unha com carne. Quando dois homens se amam assim (como irmãos, não como cóbóis homossexuais) é bonito.

Quando entra o genérico final (o único) já estou a pensar em ver o filme outra vez. Viva o Mann, viva Miami e vivam os blockbusters de Verão para maiores de 16! Vou preparar um mojito.

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