Céu, Terra, Palha e Alcatrão
Alguém me perguntasse que sítio do mundo elegeria eu para viver, uma interrogação própria de quem largou vícios da puberdade à pouco tempo, e entra agora, timidamente, numa fase em que se começam a pagar impostos ao estado, agravado com o facto de, a idade se revelar prematura no que toca a experiência de vida responderia, ingenuamente, “talvez Nova Iorque”. A resposta apesar de válida é, claro está, sonhadora, própria de um indivíduo que se encontra ainda no voo involuntário típico de quem é arremessado faz pouco tempo de um período da vida, o juvenil, idiotamente infantil, sem saber bem onde se vai aterrar.
Como há uns bons 4 anos que não punha os pés, nem a cabeça, abaixo da linha de Lisboa, voltei eu ao Alentejo e tive a possibilidade de constatar novamente, porém com outros olhos e, se bem que não de uma forma tão idílica como alguns nos fazem acreditar ser, a veracidade da beleza agreste, dourada plana e preguiçosa das terras desertas que se situam ali algures entre o Tejo e o Guadiana. Não interpretar mal, todavia, o conteúdo das minhas palavras, referente a uma subversão de vontades no que toca à vontade, imaculada pura verdadeira e absolutamente idílica, de querer, um dia, pisar os chãos de Manhattan com um cartão de morador no bolso do casaco, digamos, junto a um bilhete rasgado do dia anterior ter andado a divagar pelo Museu de Arte Moderna ou no Guggenheim. Não confundir as coisas. O Alentejo é real, Manhattan não, pelo menos por enquanto, para mim, claro está.
Foi impossível não imaginar que a estrada poderia ser a 66, e que o meu carro poderia ser um cadillac, e que estava a atravessar os U.S. e não o Alto Alentejo. Eu o céu a terra a estrada e o capim, leia-se palha, um cenário perfeitamente possível de ter sido extraído de um filme do Lynch, mas sem os fenómenos paranormais nem os cortadores de relva. Lá ia eu, dentro da minha viatura movida a combustível fóssil, que verdade seja dita, não abundava no reservatório, mas que ia sendo suficiente para me afundar nas profundezas rurais, enquanto a paisagem norte de árvore alta, verde e morfologicamente mais agressiva, depreenda-se com mais perturbações ao nível topográfico, se ia transformando ao jeito de um degradé natural, numa gravura horizontal, ouro, de arvoredo muito pontual onde abunda a palha. Ao atravessar meio Alentejo por estradas que certamente apenas por uma vez conheceram a palavra alcatrão, numa viagem em que não interessa o destino, mas sim o percurso que, quanto mais extenso, mais introspectivo e profundo se torna, tal Straight Story, ergo o punho em direcção ao céu, com o vidro totalmente aberto, e acompanho, em jeito de grito, para se ouvir, quiçá do outro lado do morro, a música que se transforma num potenciador de pura adrenalina.
No caso eram os Interpol. Nova-iorquinos claro está.
No caso eram os Interpol. Nova-iorquinos claro está.