bala perdida: janeiro 2008

segunda-feira, janeiro 21, 2008

Lynch e o seu f****** iPhone



Mais uma vez, o super-realizador preferido de muita gente (onde se inclui o Jóne, que dedica todas as noites alguns momentos, antes de se deitar, à escrita de belos poemas dedicados ao homem, ou melhor, a determinadas partes da sua massa encefálica) surpreende-nos com uma breve declaração. Neste caso uma defesa apaixonada - com direito a palavrão e tudo - do verdadeiro cinema, tomando como objecto principal do seu ódio a apregoada revolução que propõe, num futuro próximo, trocar a tela das salas de cinema por um ecrâ de telemóvel de 12 por 4 cm, ou coisa que o valha.

Aos que discordam da sua opinião, Lynch promete que irão em breve receber a visita da mais assustadora personagem alguma vez capturada em película (qual King Kong, qual Alien, qual dinossauro jurássico) desencantada de um dos mais escuros recantos do cérebro do realizador, e que até já foi referida neste pasquim. Se ainda têm dúvidas, esta sequência do Lost Highway pode esclarecê-las. Eu sinto pavor só de me lembrar desta carantonha:



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sexta-feira, janeiro 11, 2008

Estórias da arquitectura portuguesa



Há uns tempos atrás o Juanito honrou-nos com uma pequena amostra do seu compêndio académico sobre essa cidade mítica a apenas um pequeno oceano de distância da tugolândia, Nova Iorque. Às vezes, passeando junto à costa, em dias sem nevoeiro, um gajo consegue ver a cabecita da Estátua da Liberdade e ela parece dizer qualquer coisa do tipo "Vinde, vinde até à terra da oportunidade e deixai para trás a lavoura, o galo de barcelos e as mulheres de bigode!" e um gajo tá vai não vai para se atirar à água e só parar no porto de Manhattan.

Como gosto de mulheres com bigode farfalhudo, decidi-me a ficar por cá e a desenvolver um estudo sobre temas vários que ligam o cinema e a arquitectura, não esquecendo no meio disto a perspectiva da populaça, como homem que ajudou a fazer o 25 de Abril, deitando-se à frente das chaimites na alvorada da democracia. Como aqui no pasquim até se se vai falando às vezes sobre cinema e, ainda mais raramente, de arquitectura, por entre referências ao peito desnudado de várias intérpretes femininas (sem bigode), achei por bem emular o que o Juanito fez, deixando também a minha contribuição para elevar, por breves momentos e poucos milímetros, o nível deste espaço.

Nesse sentido, proponho deixar aqui 3 vídeos que produzi no contexto da apresentação pública do resultado de tais divagações, colectado num compêndio a que atribuí, na sequência de uma pequena epifania, o título extremamente pomposo Estórias da Arquitectura Portuguesa: uma reflexão em torno de imagens que a arquitectura constrói, o cinema fixa e o povo ordena. Os vídeos são pequenas amostras ilustradas por imagens em movimento (que finesse, que avant-garde!) dos assuntos que debato nos 3 capítulos que estruturam o compêndio. Cada um dos vídeos é acompanhado por um texto que, para ser desfrutado da melhor maneira possível, deverá ser lido em simultâneo e em voz alta, num timbre próximo ao do locutor de documentários Eládio Clímaco, enquanto se procede à visualização de belas imagens em movimento e infografias tipo SIC Notícias.

Entretanto, se estiverem pela Catalunha e virem um gajo de bícepes bem definidos e com a tatuagem de um morcego nas costas, tenham muito, muito medo. E, já agora, digam-lhe que a malta cá da casa até não se envergonhava se ele se decidisse a publicar neste espaço comunitário qualquer coisinha da sua divagação escrita sobre uma outra bela terra das Américas, esta mais próxima do Pacífico do que do Atlântico e que, entre outras coisas tem uma avenida maior que a da Boavista, no Porto (e, já agora, que a Diagonal, em Barcelona), uma rua tão grande que, para citar um dos grandes vultos da crítica contemporânea de arquitectura, "não é uma avenida é uma estrada".

É escusado dizer que isto tá tudo tudo cópiraitado: (c), (r), (TM), (CC), et cetera.




01 Memória

No primeiro capítulo retrocede-se até aos primeiros anos do Século XX para tentar perceber o papel que a arquitectura teve na construção de lugares cujas características específicas os inserem num imaginário colectivo que se confunde com as noções de origem ou de identidade. Lugares como o Porto de Douro, Faina Fluvial, filme realizado por Manoel de Oliveira, o Douro Vinhateiro de Vale Abraão, do mesmo realizador, e a região de Trás-os-Montes de Cinco Dias, Cinco Noites, realizado por José Fonseca e Costa.

A região transmontana é muitas vezes evocada no cinema português como uma espécie de referência maternal, talvez por analogia ao relevo dos seus conjuntos montanhosos, ou por ser efectivamente um dos mais antigos pedaços de território português. O filme Cinco Dias, Cinco Noites percorre uma série de aldeias transmontanas que pouco terão mudado desde que se estabeleceram ao abrigo do sopé da montanha ou numa meia-encosta e que continuam a depender quase exclusivamente da actividade agrícola. O xisto e o granito das casas, muros ou outras estruturas são os mesmos dos solos da região, permitindo assim uma integração harmoniosa dos povoados na paisagem natural que os envolve.

Estas condições foram devidamente estudadas durante a realização do Inquérito à Arquitectura Popular em Portugal, no final da década de 50, uma iniciativa de um grupo de arquitectos, entre eles Keil do Amaral e Fernando Távora, que se opunha à generalização do modelo da casa portuguesa, divulgado por Raúl Lino e visto com bons olhos pelo Estado Novo. Analisando a região transmontana, o inquérito selecciona um grupo de povoados dispersos como casos de estudo. Entre eles, Montes, junto a Vila Real; Santo André, próximo de Montalegre; Rio de Onor, sobre a fronteira a Norte e Ifanes, a Este. Revisitando qualquer um desses lugares, hoje, é possível, com o auxílio dos levantamentos do inquérito, perceber como a sua genealogia está ainda presente, como estes pequenos aglomerados se continuam a organizar em torno de estruturas urbanas seculares com origem nas necessidades da actividade agrícola.

O inquérito discrimina também os vários tipos de casa transmontana, sendo o mais comum o de dois pisos, destinando-se o térreo a funções de armazenamento. No piso superior, uma divisão única faz as vezes de cozinha, sala de jantar, de estar e, por vezes, de quarto. Essa qualidade espacial celular é perceptível em várias cenas de interiores de Cinco Dias, Cinco Noites. O filme procura muitas vezes o pitoresco, enquadrando, no exterior das casas, elementos expressivos, como varandas de madeira ou peças trabalhadas de granito, que se destacam da depuração do sistema construtivo em pedra. Essa ambição levou inclusive a produção do filme a esconder algumas coberturas de telha tapando-as com colmo, mais de acordo com a época em que a acção se desenrola, num esforço para recuperar traços de identidade de uma arquitectura que se entende como genuína.



02 Deslocamento

Neste segundo capítulo abordam-se as grandes transformações promovidas durante as décadas de 50 e 60 pelo governo do Estado Novo, essencialmente no domínio do urbanismo, como parte do processo de construção da imagem de um império português intercontinental. Em Rasganço, de Raquel Freire, a Cidade Universitária de Coimbra como símbolo físico do poder do Estado; nos Verdes Anos, de Paulo Rocha, uma nova Lisboa em choque com a ruralidade à sua volta; na Costa dos Murmúrios, de Margarida Cardoso, duas metrópoles africanas, Beira e Maputo, criadas a partir do nada.

Lisboa era o principal pólo de atracção para muita da gente que deixava o interior durante o período de êxodo rural que que ocorreu em Portugal durante os anos 50 e 60. À necessidade de crescimento da cidade para poder albergar mais habitantes juntavam-se a vontade do governo em afirmar a modernidade da capital do seu império e uma dinâmica de obras públicas herdada da passagem de Duarte Pacheco pelo município. Duarte Pacheco encomendou a de Groer o primeiro Plano Director Municipal de Lisboa, desenvolvido entre 1938 e 1948, que estabelecia novos eixos de expansão para a cidade e propunha a construção de vários bairros de habitação económica. A norte das Avenidas Novas surgiu, ainda na década de 40, o Bairro de Alvalade, projectado por Faria da Costa para, mais tarde, na década de 60 se construírem outros conjuntos urbanos em Chelas e nos Olivais.

Ao mesmo tempo, o município encomenda a vários jovens arquitectos novos edifícios de habitação colectiva que, no seu conjunto, vão de algum modo transformar a imagem da cidade, introduzindo uma arquitectura modernista com referências à Unidade de Habitação de Marselha de Corbusier e aos princípios urbanos da Carta de Atenas. Por ordem cronológica, o Bairro das Estacas, projectado por Formosinho Sanchez e Ruy d’Athouguia, em 1951, os 4 blocos de habitação colectiva no cruzamento das Av. dos E.U.A. e Av. de Roma, de Filipe Figueiredo e Jorge Segurado, em 1953, o conjunto habitacional na Av. Infante Santo, de Alberto Pessoa, Hernâni Gandra e João Abel Manta, em 1955, também em 55 um outro conjunto habitacional na Av. dos E.U.A., de Pedro Cid, Manuel Laginha e Vasconcelos Esteves, o Bloco das Águas Livres, de Nuno Teotónio Pereira e Bartolomeu Cabral, em 1956 e, finalmente, na Av. do Brasil, em 1958, um conjunto habitacional projectado por Jorge Segurado.

Nos Verdes Anos essa nova Lisboa é vista quase sempre através do confronto com as áreas rurais em torno da cidade que se vêem de súbito invadidas por todos esses novos edifícios. Muitos equadramentos baseiam-se na oposição entre espaço natural e construído, no que pode ser visto como a projecção material dos sentimentos antagónicos dos personagens em relação à cidade e que os fazem buscar refúgio em zonas de perfil ainda rural que evocam as localidades do interior que deixaram para trás.



03 Ruptura

O capítulo final centra-se no momento actual, examinando o país a várias escalas numa progressão em zoom, para daí obter diferentes pontos de vista sobre a interferência de fenómenos característicos da globalização no sistema urbano português. Começando pelo território, ou seja, o Portugal Continental, em Os Mutantes, de Teresa Villaverde, passando pela periferia, a Área Metropolitana de Lisboa, em Ossos, de Pedro Costa e acabando no centro da mesma cidade, em Alice, de Marco Martins.

No regresso a Lisboa, cerca de meio século depois do período de grandes transformações que a cidade atravessou, a maior partes dos novos bairros de habitação estão agora integrados no tecido urbano consolidado da cidade. Olhando aquele que é considerado o eixo central de Lisboa, um eixo articulado entre o centro antigo - a Baixa Pombalina- , o Marquês e o Campo Grande, é possível perceber como as Avenidas Novas e o Bairro de Alvalade ajudaram a construir essa noção de centralidade. Do mesmo modo, também os blocos de habitação colectiva construídos na década de 50 beneficiam agora, à excepção do Bloco das Águas Livres, de uma condição central. A arquitectura modernista ganha o seu espaço na definição da imagem da cidade.

Alice, o filme de Marco Martins, descarta porém essa perspectiva tradicional de associar a imagem da cidade ao seu centro, optando por se mover por entre uma rede de espaços fragmentados que se tornam difíceis de identificar. A lógica que organiza esses fragmentos de cidade é um sistema caseiro de homevideo que reproduz as filmagens de um vasto número de câmaras de vigilância espalhadas pela cidade. Esse dispositivo funciona como uma espécie de filme dentro do filme, sobrepondo duas visões do mesmo lugar: a visão do realizador e a visão do protagonista principal. Contribuindo para o adensar dessa imagem abstracta da cidade, muitas das sequências de Alice são ambientadas em locais de passagem, como estações de metro ou parques de estacionamento, espaços neutros essenciais à rotina diária de uma grande metrópole reproduzida no ritmo do filme.

O realizador sente, porém, a necessidade de inserir alguns elementos icónicos da cidade facilmente reconhecíveis, que pelo seu valor cenográfico se destacam dos demais, pontos de referência para a mole que percorre apressadamente as ruas da cidade. Aqui, ao lado de monumentos como o Arco da Rua Augusta ou a estátua do Marquês de Pombal, surge recortado contra o céu um dos blocos de habitação colectiva no cruzamento da Av. dos E.U.A. com a Av. de Roma, mais um sinal da importância da arquitectura modernista na construção da imagem de cidade. Alice, ao contrário de outros filmes sobre Lisboa, não se alimenta dos espaços da cidade em si, mas vive sobretudo da justaposição contínua de imagens típica da era da informação. Ao navegar por entre a cidade através das imagens recolhidas por câmaras de vigilância, o protagonista do filme tem a ilusão do controlo do sistema urbano da cidade, preconizando talvez um passo futuro da arquitectura, o urbanismo unipessoal.

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domingo, janeiro 06, 2008

Os Melhores de 2007

Naomi Watts, depois de se apaixonar por um macaco (King Kong), opta pela máfia.

Depois de vários dias a votar, os bala-lovers elegeram os melhores filmes de 2007. A votação acabou com um empate técnico entre o filme do Cronenberg, Eastern Promises, e o Apocalypto, de Mel Gibson – o filme que o elevou ao estatuto de mestre. O do Cronenberg é relativamente incompreendido, porque maior parte das críticas assenta sobre uma ideia relativamente absurda que menospreza, tanto este como o anterior – A History of Violence – como sendo exercícios nos quais o Cronenberg deixou de fora o seu lado carnal, e enveredou (ou foi obrigado a) por um caminho mais blockbusteriano. A mim, nu integral do Viggo Mortensen, não me pareceu lá muito fruto de um produto blockbuster, assim como as gargantas degoladas a sangue frio. O Cronenberg simplesmente anda à procura de uma forma de transformar o que outrora encarava de uma maneira mais formal (essa componente carnal e mutante dos seus primeiros filmes), numa experiência mais subtil, que envolve a transformação não apenas física dos personagens mas, principalmente, uma mutação ao nível do subconsciente psicológico. Aí reside a nova mutação dos filmes de Cronenberg. Quanto a mim, essa busca já deu dois objectos extraordinários. Um deles foi um dos melhores filmes de 2007.


O gajo mais sortudo do mundo, incluíndo os vencedores do euromilhões.

O Apocalypto ficará na história por ser, até à data, uma das melhores representações da componente bélica da vida dos Maias. O argumento é sustentado numa acção que se desenvolve com uma tensão moderada, atingindo o apogeu na chegada da civilização ocidental à América do Sul – facto este que não tem qualquer importância no decorrer do filme, sendo apenas uma representação simbólica. Brutalmente coreografado e realizado de uma forma sublime, é para guardar junto dos melhores do ano.

Em terceiro lugar aparece o Zodíaco, muito perto dos primeiros, um bom regresso de Fincher 5 anos após a estreia do mediano Panic Room. A fechar a lista aparece mais um tesouro da Pixar que, desde que foi comprada pela Disney, parece estar a ficar ainda melhor do que antes – algo que se julgava ser impensável. Neste caso foi o Brad Bird, que dentro da hierarquia de realizadores da Pixar, começa a desafiar o John Lasseter (Toy Story 1 e 2, A Bug's Life e Cars). E por fim o filme revelação de 2007, Control, de Anton Corbijn, um retrato brilhante do melancólico Ian Curtis por um homem que conviveu pessoalmente com os Joy Division.

A distribuição dos votos foi esta.

O número de votos, não divulgado, estima-se que esteja perto da centena de milhar.

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