bala perdida: novembro 2008

quarta-feira, novembro 19, 2008

Mulheres Traídas



Maria José Silva não é aquilo que parece...
Assim poderia começar mais uma crónica de Carlos Antunes e Vítor Torrinha. Maria José Silva tem uma mercearia bem no centro do Porto. Maria José Silva nasceu a 3 de Agosto de 1937, na freguesia da Junqueira, Vila do Conde", segundo consta na sua página oficial. Maria José Silva escreve, realiza, compõe a música, produz e, em alguns casos, protagoniza filmes de ficção.

Não estamos aqui a falar das corriqueiras películas que podem ser apreciadas no conforto de qualquer pós-moderno multiplex de centro comercial ao som de pipocas e sorvidelas de cola, mas sim de uma linha de montagem e fabrico caseiro, assim como os enchidos que enfeitam as prateleiras da mercearia de Dona Maria, ali prós lados do Jardim de São Lázaro. Com as contribuições de familiares e conhecidos tem sido possível, ao longo das duas últimas décadas, primeiro em VHS, depois no MovieMaker, compôr um corpo de trabalho significativo e com cópias disponíveis (bem como algumas das bandas sonoras) ao balcão da sua mercearia. Títulos sugestivos como Os Velhos Não São Trapos, A Vida Sem Amor Não Presta ou, bem a calhar, Aconteceu no Natal.

Este micro-fenómeno de interesse sociológico tinha já há alguns anos, por via de uma reportagem da SIC, extravasado a pequena comunidade de clientes, amigos ou conhecidos que gravita em torno da mercearia de Dona Maria. Surge agora, porém, um documentário (vencedor da categoria correspondente nos Caminhos do Cinema Português de 2008) que aprofunda esse olhar sobre a obra de Maria José Silva, registando o processo de rodagem do seu último opus, Mulheres Traídas (tecnicamente, uma média-metragem).




Seria muito fácil apontar o dedo, até gozar com os muitos defeitos óbvios de Mulheres Traídas, (até o nome) abordando o filme segundo o que se entende como uma perspectiva "convencional" de apreciação de cinema. Assim à maneira de um "tesourinho deprimente". Mas o documentário complementar - de Miguel Marques - que acompanha Mulheres Traídas (com rodagem nas FNAC por todo o país) é exemplar na sua defesa, não porque tome declaradamente qualquer partido sobre o cinema de Maria José Silva, mas porque ilustra q.b. o trabalho, a dedicação e o interesse de um grupo de pessoas, nos antípodas da malta porreira do cinema, reunidas para fazer acontecer a visão de uma merceeira-poeta-compositora-letrista-cantora-realizadora.

E isso é infinitamente mais cinema do que, por exemplo, o Saw V.

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