bala perdida: agosto 2007

domingo, agosto 26, 2007

Ratatui


A ratazana a adicionar, carinhosamente, coentros à sopa.

Depois de um filme como o Cars, a Pixar tinha entre mãos uma tarefa ingrata: criar um filme que estivesse dentro dos mesmos parâmetros de qualidade. Qualidade essa que nasceu prematuramente com o já velhinho Toy Story, 1994 (nos dias de hoje, o Andy, o protagonista humano do Toy Story, já tem barba, e embebeda-se dia sim dia não). Aquando da compra da Pixar por parte da Disney, foi assinado um contrato secreto: um rato iria protagonizar o próximo filme. A Pixar, subverteu o sentido das palavras escritas no contrato e desenvolveu um filme protagonizado por uma ratazana. O Ratatui demorou cerca de 5 anos a materializar-se na maravilha gráfica que é hoje. Foi preciso esperar que o Brad Bird acabasse o Gigante de Ferro, fosse subornado pela Pixar para integrar a equipa e realizasse os Incríveis, para pegar na ratazana cozinheira e levá-la até ao grande ecrã.

O filme é sobre uma ratazana que percebe de culinária. Como é habitual nos filmes Pixar, há uma postura humana (ainda que seja um animal, um brinquedo ou um carro a tê-la) que questiona a sua condição individual e a relação social que tem com os que o envolvem. Depois, normalmente, as conclusões são evidentes, e no fim tudo é maravilhosamente belo. Basicamente a história é a procura de uma ratazana da sua própria identidade (e isto pode parecer bastante idiota dito assim, não obstante é um objectivo nobre que origina um produto muito interessante). Poderá, afinal, uma ratazana desempenhar o papel de um cozinheiro?

Os meios técnicos atingiram um nível em que começa a ser válida a questão de querermos habitar unicamente um universo fantasista tridimensional, em vez da dura realidade em que normalmente habitamos (na qual nem sempre há papel higiénico quando é realmente necessário). Para fechar o aparato em grande, a Pixar brinda-nos com duas visões maravilhosas: uma vista de Paris fenomenal, e o pseudo-vilão mais fixe de sempre, o Antono Ego (e aqui estou a incluir o Scar, do Rei Leão, e o gajo do Hércules que tinha o cabelo azul e cuspia fogo).


Antono Ego, o vilão mais fixe desde Nero.

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quarta-feira, agosto 15, 2007

Death Proof


O cartaz visto ao longe tem dupla interpretação, por isso afastem-se 4 metros do monitor por um momento.
Meia-noite. De visita ao norte do país decidi meter-me dentro de um cinema para ver o regresso do Tarantino. Senti que podia ser um momento significativo na minha vida por isso antes de ir para o cinema, vesti o meu casaco preto e enfiei uma chiclete na boca. Estava pronto para levar com uma boa dose de adrenalina na testa.
Quando se decidiu separar este Death Proof do Planet Terror, (o filme irmão do Robert Rodriguez) teve que se aumentar a duração de cada uma deles para poderem ser exibidos individualmente. O filme vem para a Europa desprovido do seu conceito original e com mais uma boa meia hora, não contemplada na primeira montagem.
Lamentações à parte, enterrei-me na cadeira à espera do furacão. A exibição inicia-se com uma pequena animação protagonizada por uma pantera azul. “Isto promete”, comentei para a Eva. Estiquei os braços com um movimento repentino e recostei-me. O filme começa com um genérico à lá Jackie Brown, até que aparece a Jungle Julia a fumar substâncias proibidas num cachimbo d'agua. Depois aparece a Vanessa Ferlito e no final destes 8 minutos, apenas dois pensamentos me passavam pela cabeça: “porque é que ainda ninguém pegou na Ferlito e a pôs nua numa tela de cinema” e “será que o Kurt Russell demora muito a aparecer?”.
Jungle Julia à esquerda e a Ferlito no meio.

Stuntman Mike. Quando se ouvem estas duas palavras e se está a ver o Death Proof, significa que dentro de 23 minutos vai-se experienciar um dos momentos mais brutais, possíveis de ser experimentados dentro de uma sala de cinema. E quando digo brutais, é de contemplar o desembarque na Normandia do Spielberg, as torres a caírem do Fight Club ou o berbequim a furar a cabeça do gajo do Pi. Esqueçam, isto é muito melhor. Quando se tem um carro como o do Kurt Russell (Chevy Nova, 71) cujo motor faz com que o rugir do T-Rex do Jurassic Park, pareça um risinho de bebé, é porque alguma coisa especial se avizinha. O Kurt Russell está exactamente igual ao que nos habituou nos últimos 30 anos. O mesmo personagem, os mesmos tiques, a mesma representação. Tudo afinado para que o filme se transforme num referencial cinematográfico gigantesco.
O segundo carro mais fixe de sempre.
O filme beneficia de uns diálogos bem esgalhados em que o Tarantino faz uma incursão relativamente interessante ao universo feminino (ou pelo menos o que ele pensa que poderá ser)e, claro, do mundo da exploitation, antecedida por todos os prefixos possíveis e imaginários (black, sex, shock, etc.) em que o ambiente criado é fabulosamente pop. Aparece o Stuntman Mike, e o Tarantino cozinha meticulosamente a tal cena que é sem dúvida o zénite do filme (aos 40 e tal minutos). A partir daí tudo é maravilhosamente belo e, para confirmar o filme como objecto de culto, presenteia-nos com a cena de perseguição mais emocionante do século XXI.
A película propositadamente degradada e os cortes súbitos, conferem ao filme um visual deslumbrante que infelizmente se vai perdendo ao longo do filme (à meia hora de filme, já ninguém se lembra disso, incluindo a gaja que habitualmente monta os filmes do Tarantino, Sally Menke). A história é inconsequente mas isso apenas faz com que a acção e o ambiente abusadamente pop, se potenciem. Para acabar resta dizer que o filme, além de ter uma banda sonora à maneira, é um objecto de culto bastante interessante, mas não pertence à classe de outros filmes do Tarantino, como o Pulp Fiction ou o Reservoir Dogs (todavia provoca um síndroma de estilo a quem sai do cinema: o próximo carro a comprar é inevitavelmente um Dodge Challenger).

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segunda-feira, agosto 06, 2007

Lynch says no to ly(n)xo!

Recuperando a figura do post imediatamente anterior à prosa amarelada que precede este, do cérebro de David Lynch (mesmo depois de espreitarmos lá pra dentro e, com a ajuda do bisturi, roubarmos um pouco de massa encefálica para posterior análise laboratorial) continuam a brotar coisas assustadoras, como este anúncio televisivo dirigido às incautas gentes de NY (é de 91).



Se não acham que deitar papeis para o chão é feio, então esperem até ao dia em que bandos de ratazanas mutantes (e) gigantes vos estiverem a mastigar a cabeça com os seus belos dentinhos para pensar de outra maneira. Não digam que o Lynch não vos avisou!

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The Simpsons


Depois de 17 anos a resistir à máquina hollywoodesca, Os Simpsons decidiram ir, finalmente, até Los Angeles para rodarem um filme. A transformação de um produto televisivo num objecto cinematográfico é normalmente um processo muito delicado e quase sempre com um resultado desastroso – vejam-se quase todos os filmes derivados de séries, a começar pela adaptação dos Flinstones, a passar pelos quase tele-filmes que foram exibidos nos cinemas dos X-Files, a acabar em aberrações fílmicas como o filme do He-Man (que passa de personagem definida por linhas e mancha para um ser humano, com um Q.I. inferior ao de um barrote de madeira). Claro que há excepções, como é o caso do Miami Vice ou a saga fílmica do Missão Impossível, que infelizmente foi progressivamente descendo de qualidade numa avalanche dividida em três actos: 1º um produto relativamente interessante, não fosse o Tom Cruise aparecer no filme, fotograma sim, fotograma não, o 2º, já em plena queda livre para o abismo, que se veio a confirmar no terceiro, como um poço bastante fundo (não obstante, corroborou-se o valor do Tom Cruise como pior actor do momento, apenas superado pelo Ben Affleck e o gajo do He-Man – o grande Dolph Lundgren).

Voltando aos Simpsons, é de valorizar que, pelo menos, conseguiram mantê-los amarelos e incisivos na crítica social. Permaneceram fiéis à série, e isso é meio caminho andado para uma adaptação relativamente bem sucedida. A outra metade do caminho, é fazer o que o filme realmente faz: encadear de uma forma sucessivamente brilhante gag atrás de gag, numa corrente louca de momentos fabulosos “à lá Simpsons” que dá vontade de sair do cinema e comprar os 400 episódios, hibernar durante 7 dias e ver manchas amarelas a interagirem. De um ponto de vista salutar digamos que não será muito vantajoso, mas lá que era uma experiência mais interessante que o Big Brother, disso não há duvidas. Resumindo, o filme é um episódio magnífico de uma hora e meia em que a dimensão do Homer no ecrã é directamente proporcional à sua estupidez. O genérico é genialmente calibrado para corresponder aos “tempos de hoje” e à própria condição fílmica que o universo Simpsons, ganha (por exemplo, o Bart escreve no quadro “Não piratearei este filme”, etc). Os Green Day aparecem a tocar, num cameo extraordinário que remete para uma sátira ao Live 8. De seguida a Lisa apaixona-se por um Irlandês, o Homer apaixona-se por um porco e o Bart apaixona-se pelo Flanders. Tudo isto nos primeiros 5 minutos de filme. Depois aparece o Schwarzenegger e o filme confirma-se como um dos momentos altos do ano.

Os nossos queridos amigos do Público (aqui e aqui) fazem questão em distanciar-se da euforia popular, reivindicando a sua suposta superioridade intelectual (que ninguém sabe onde está, ou sequer porque existe), ao refugiarem-se no argumento que o filme não traz nada de novo à série. Aqui ente nós, é claro o acrescento que um filme exibido numa tela de 30 m2 durante uma hora e meia, traz de novo em relação a um episódio exibido numa televisão de 60 cm, que dura 20 minutos (além disso é de longe o melhor momento que eu vi dos Simpsons, pelo menos nos últimos tempos). Não sei, eu cá não tenho plasmas de 12 metros de diagonal na sala (acho que os tipos do Público compraram-nos todos, porque nem sequer me lembro de ter visto isso à venda) mas quem sabe… Remato o texto na tentativa desesperada de fazer compreender a diferença entre 60 cm e 12 metros – uma questão de tamanho, portanto – com uma expressão roubada ao Peter Bradshaw do The Guardian “Quando a cara amarela da Lisa enche a tela pela primeira vez, é como uma espécie de acid trip”.

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