2 Days In Paris
Jack, Marion e o pai de Marion (que, por coincidência, ou não, é o pai da actriz-realizadora-argumentista, na vida real).
Como há algum tempo que já não punha os olhos num filme europeu, decidi ir ver o 2 Days in Paris, da Julie Delpy. A Julie Delpy que se tornou bem conhecida do público americano aquando do díptico melodramático Before Sunrise e o Before Sunset, que co-protagonizava juntamente com o Ethan-tenho-areia-no-crânio-em-vez-de-cérebro-Hawke que, se bem me lembro, deu com os pés na Uma Thurman – e quem tem uma atitude destas só pode ser homosexual ou TomCruisiano – e a lançou para o estrelato do cinema semi-indie europeu. O que interessa é que a menina Julie Delpy foi adquirindo notoriedade até conseguir protagonizar este filme, enquanto o realizava e depois de o ter escrito. Ora bem, isto levanta, à priori, uma série de questões fundamentais para a correcta interpretação do filme. Há, na actualidade, poucos realizadores que têm a capacidade de escrever e realizar os próprios filme e que, quanto a mim é, normalmente, uma mais valia (por outro lado estou a pensar, por exemplo, que se o Stallone se pusesse a realizar tudo o que escreveu, provavelmente o cinema hoje já não existiria). Depois há os que escrevem, realizam e protagonizam. Assim de repente só me veem à cabeça estes: o João César Monteiro (que não conta porque a tela ficou permanentemente preta), o Vicent Gallo (este tão pouco porque no fundo trabalha por felácios, não por amor à arte) o Nanni Moretti e, claro, o Woody Allen. Se o Nanni Moretti não tem muito jeito para a coisa – o gajo consegue ser mais egocêntrico que que o homem de Vitrúvio desenhado pelo Da Vinci, podia era dedicar-se a escrever manifestos comunistas e entregar os guiões a alguém que os quisesse realizar na Índia, ou algo assim – o King Allen continua a ensinar como fazer as coisas: neste momento está a rodar um filme com a Scarlett e com a Penélope Cruz. Em Barcelona.
Tudo isto para dizer que o filme da Juie Delpy que apresenta o Adam Goldberg numa prestação bastante boa – no Entourage já tinha mostrado que representar com humor, era com ele – não é carne nem peixe. É um filme. Não é carne porque acho que não é oriundo de novilho, nem bovino, nem derivados, e tão pouco é oriundo de animais marinhos. É, portanto, um filme. Um filme. Um filme que foi filmado em Paris.
O início é bastante promissor, e quase se consegue vislumbrar ali aluma coisa de Woody-Allenesco. O filme começa com a chegada a Paris do casal Marion e Jack. Ela é parisiense e trabalha em Nova Iorque. Ele é nova-iorquino e está de férias na Europa. O filme é bem construído (e quando digo construído, quero dizer camuflado) e consiste basicamente, na exploração das ideias clichés que os europeus têm dos americanos, e vice-versa. Depois, a camuflagem desaparece e a vida da Julie Delpy é completamente transposta para o ecrã. E isso irrita. Irrita porque o autobiografismo é demasiado óbvio para que possa ser devidamente aproveitado na construção de um filme como obra de ficção interessante. Resumidamente falta à Juile Delpy, que além escrever, realizar e protagonizar, também editou e concebeu toda a banda sonora, algum discernimento na escrita que rapidamente passa de um âmbito ficcional, para uma espécie de documentário não-assumido da sua vida íntima.
A grande diferença entre este 2 Days in Paris e o Lost in Translation além, obviamente, da distância temática, cénica e cenográfica, e do facto de haver, ou não, a presença da Scarlett, é a forma como abordam o autobiografismo. Um está implícito, outro é demasiado explícito. Provavelmente se fosse outra pessoa a interpretar o papel de Marion, o filme tivesse ganho outra profundidade. Não obstante, o filme foi seleccionado para o Festival de Berlim, o que é um bom indicador – pessoalmente acho que só foi seleccionado porque esse grande actor, protagonista do Goodbye Lenin, Daniel Bruhl, faz um papel (que dura 65 segundos) no filme.
Vejam, se tiverem oportunidade. Se não tiverem, não façam caso, aproveitem e joguem bowling, ou assim.
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