Um elefante entra numa loja de loiças e...

Saudações da província. Alargando o espectro deste pasquim de frequência de actualização semanal/mensal (conforme o nosso tempo vai permitindo, entre uma e outra produção audiovisual) cabe-me introduzir alguma relevância no que se vai por aqui discutindo, deixando por isso de lado assuntos de saias, ou cuecas, de super-heróis, seus poderes telequinéticos, ou escolhas discutíveis de penteados (vide jean grey ou o famoso caracolito do super-bicho).
Ontem à noite, apesar da trovoada que ameaçava cuspir fogo e deitar a minha cabana no topo da serra por ali abaixo, comigo e o meu receptor de TV lá dentro, consegui ver o 'Elephant', do Gus Van Sant, filme que andava a tentar deitar as mãos talvez desde os anos 80, mais coisa, menos coisa. Agradeço ao pessoal da crew do canal 1, já que é a telvisão pública a única preocupada em apresentar filmes:
a) de jeito
b) sem o jackie chan, ou o will smith, ou o adam sandler
c) que não tenham já passado três vezes no último mês (tvi, último domingo: pela 34a vez, o cume de dante & pela 45a vez, a conspiração da aranha, com morgan-já-fiz-filmes-de-jeito-há-uns-dez-anos-freeman)
Como dizia, tinha criado uma certa expectativa para ver o filme, aconselhado por amigos e pelo trailer e, principalmente, por ter visto, do mesmo realizador, o Last Days, há pouco tempo (que no seu ritmo manoeld'oliveiriano - ou seja, modorra geral, ausência de movimentos de câmara, planos de 10 minutos - era um belo pedaço de cinema evocativo de uma personagem ligeiramente parecida com o kurt cobain, aquele gajo do grunge, tão a ver - não, não tem nada a ver com comunas ou outras seitas de talibans).
b) sem o jackie chan, ou o will smith, ou o adam sandler
c) que não tenham já passado três vezes no último mês (tvi, último domingo: pela 34a vez, o cume de dante & pela 45a vez, a conspiração da aranha, com morgan-já-fiz-filmes-de-jeito-há-uns-dez-anos-freeman)
Como dizia, tinha criado uma certa expectativa para ver o filme, aconselhado por amigos e pelo trailer e, principalmente, por ter visto, do mesmo realizador, o Last Days, há pouco tempo (que no seu ritmo manoeld'oliveiriano - ou seja, modorra geral, ausência de movimentos de câmara, planos de 10 minutos - era um belo pedaço de cinema evocativo de uma personagem ligeiramente parecida com o kurt cobain, aquele gajo do grunge, tão a ver - não, não tem nada a ver com comunas ou outras seitas de talibans).
Começa com um puto, ar de modelo calvin klein, a chegar à escola depois de guiar o carro, com o pai, bêbado já de manhãzinha, ao lado. Chega à escola e é apanhado pelo director, porque está atrasado. Passamos para outro puto, ar de modelo calvin klein, a tirar fotos ao pessoal para fazer um portfolio. Depois há outro puto, atleta, ar de modelo calvin klein, encontra-se com a namorada (ligeiramente abaixo das medidas heroin chic standard para ser modelo calvin klein). Entretanto, já passaram 30 minutos de planos longuíssimos a seguir esta pandilha de um lado para o outro.
"Não se passa nada? Quando é que entram os mauzões dos putos satânicos a disparar sobre tudo o que se mexa?" - seria um pensamento natural por esta altura. Mas não, isto é outro filme evocativo do Gustavo Santo, movimentando-se em torno da rotina de mais um dia de aulas num típico liceu americano (à excepção de quase todos os seus alunos trabalharem como modelos para o calvin klein), que desemboca em massacre ao bom velho estilo shoot'em up/in your face/ FPS (quem passa algum tempo em frente ao computador a disparar sobre alienígenas/terroristas/civis inocentes percebe esta linguagem) - esta comparação não é muito decabida, como se poderá comprovar em algumas cenas mais para o fim do filme. Rotina que se estrutura em torno de voltas e voltas pelos corredores, seguindo cada um dos míudos/modelos em travellings belíssimos, de fazer chorar as pestanas, com uma fotografia radiosa, cortesia de um gajo chamado harry savides, que vou daqui a bocado pesquisar no imdb.
Tal como no Last Days, há uma cronologia circular, momentos que se repetem nos diferentes pontos de vista de cada um dos protagonistas, acentuando o carácter deambulatório, vagabundo, abstracto - riscar o que não interessa - da câmara, afastando de todo qualquer noção de construção narrativa, o que só fica bem quando se está a lidar com um assunto tão sério como o que aconteceu em Columbine e inspirou esta produção. Um filme que não procura explicações, nem as fornece, simplesmente um apanhado de um tempo, de uma realidade palpável, como se pudéssemos ser um intruso omnipresente em todos os acontecimentos marcantes da cultura popular deste século. Foi o que senti quando vi o Last Days, e agora, o mesmo. Talvez façam parte de uma saga (há quem diga, que juntamente com o 'Gerry', que nunca vi, estes dois filmes formam uma trilogia sobre a morte). Nada de trilogias sobre super-heróis, estão a ver.
Ficamos à espera do próximo tomo, desta vez, de preferência, com menos modelos e mais pessoas a sério. Gus, és um gajo fixe, vou-me dispôr a ver o 'Gerry' e perdôo-te aquele filme com o Matt Damon e o outro gajo que é o pior actor do mundo.
Fiquem bem. Boas férias.
Etiquetas: opiniao, tiros nos filmes